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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Book Review - A máquina de fazer espanhóis



Imagem retirada de: www.joaninhaoulibelinha.blogspot.pt

valter hugo mãe, A máquina de fazer espanhóis. Carnaxide, Objectiva, 2010, 287 p.

Requisitado na Biblioteca João Soares


Numa altura em que VHM promove o seu mais recente livro "A desumanização", fiz a minha primeira leitura deste autor. É um livro que aborda um tema complexo pois fala-nos do sentimento de perda, que vem com o envelhecimento e a morte. Aborda ainda a amizade e o amor numa altura em que a ausência física é mais acentuada. Aos 84 anos, o sr. Silva perde a esposa, Laura, e a família decide colocá-lo num lar. A história desenrola-se a partir do encontro que o sr. Silva irá fazer com os outros utentes do lar, os que já lá viviam e outros que chegam. Destaca-se um grupo de amigos e conhecidos com histórias de vida impressionantes, entre os quais o sr. Pereira, o sr. Esteves (sem metafísica, inspiração de um poema de Fernado Pessoa) e Anísio Franco. Ora se o Esteves "conheceu" o poeta, eu conheci o verdadeiro A.F., conservador do MNAA! Que surpresa curiosa neste livro!
Gostei de ler este livro e de descobrir o significado do título! Destaco a entrevista que este autor deu para o Jornal de Leiria, quando por cá passou em Dezembro!

"A utilidade está na comunidade..."

"nestes modos, sem pensar demasiado, para que o futuro lhe parecesse possível, joão esteves entrou mais uma vez na tabacaria alves e comprou o jornal a ordens do tio. entrou na tabacaria de sorriso educado, cumprimentou o senhor fernando pessoa que ali estava de breve conversa com o dono do estabelecimento e depois cumprimentou o próprio dono do estabelecimento e pediu o jornal de sempre, com a iluminação de sempre, que era sobretudo uma beleza jovial que adivinha dos seus traços privilegiados até dignos de um aristocrata qualquer. a genética, pensaria mais tarde joão esteves, tem destas coisas curiosas, põe-nos com beleza de nobre a passar as fomes dos miseráveis.[...] e joão esteves saiu da tabacaria sem mais nada, inconsciente de que plantara no terreno fértil da criatividade de fernando pessoa um poema eterno." p.82

"um dia essa saudade vai ser benigna. a lembrança da sua esposa vai trazer-lhe um sorriso aos lábios porque é isso que a saudade faz, constrói uma memória que nós nos orgulhamos de guardar, como um trofeu de vida. um dia, senhor silva, a sua esposa vai ser uma memória que já não dói e que lhe traz apenas felicidade. a felicidade de ter partilhado consigo um amor incrível que não pode mais fazê-lo sofrer, apenas levá-lo à glória de o ter vivido, de o ter merecido." p. 91

" sabe, acharmos que salazar é que arranjaria isto, que ele é que punha esta juventude toda na ordem, é natural, porque temos medo destes novos tempos, não são os nossos tempos, e precisamos de nos defendermos. quando dizemos que antigamente é que era bom estamos só a ter saudades, queremos na verdade dizer que antigamente éramos novos, reconhecíamos o mundo como nosso e não tínhamos dores nas costas nem reumatismo. é uma saudade de nós próprios, e não exactamente do regime e menos ainda de salazar."

"deus é uma cobiça que temos dentro de nós. é um modo de querermos tudo, de não nos bastarmos com o que é garantido e já tão abundante. deus é uma inveja pelo que imaginamos. como se não fosse suficiente tanto quanto se nos põe diante durante a vida. queremos mais, queremos sempre mais, até o que não existe e não vai existir. e até inventamos deus porque temos de nos policiar uns aos outros, é verdade. é tão mais fácil gerir os vizinhos se compactuarmos com a hipótese de existir um indivíduo sem corpo que atravessa as casas e escuta tudo quanto dizemos e vê tudo quanto fazemos. [...]os homens acreditam em deus porque não são capazes de acreditar uns nos outros." p. 225 

Book Review - Viagem ao Fim da Noite



Imagem retirada de: www.skoob.com.br

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao fim da noite. Lisboa, Ulisseia, 1973, 474 p.
Requisitado na BMALV 

O ano de 2014 iniciou-se com esta leitura. Numa ida rápida à biblioteca municipal apenas para devolver uns quantos livros juvenis, a questão da técnica "Não quer levar um livro?" ficou a pairar no ar e eu não consegui dizer não... Requisitei este livro, embora não conhecesse nada sobre a história ou o seu autor, tinha apenas uma vaga ideia de já ter lido algures este título e sabia ser um clássico.

A leitura iniciou-se de forma interessante, mas a temática da I Guerra Mundial fez logo prevalecer um tom angustiante e bem revelador do absurdo do conflito. A história de Ferdinand Bardamu vai-se desenrolando por vezes de forma caótica. A passagem por África acentuou uma quebra no meu entusiasmo, mas a ida para os Estados Unidos, a aparição de Molly e o regresso a França reinstalaram mais dinamismo à história. Por vezes, em certas passagens a dor e a escuridão são muito fortes e aí percebemos bem o trauma que a vida sujeita a certas pessoas. A consciência de permanecer nesse estado e as reflexões daí resultantes fazem deste livro uma obra diferente. Não é uma leitura fácil ou agradável. Não podia ser, mas apesar disso aconselho a leitura deste livro. 

Destaco uma entrevista de António Lobo Antunes, no blogue Ciberescritas de Isabel Coutinho, na qual este escritor destaca a forma como esta obra o marcou na sua adolescência e que o fez escrever ao próprio autor. 

Tomo a liberdade de disponibilizar aqui o link para essa entrevista no blogue Ciberescritas: 
http://blogues.publico.pt/ciberescritas/2010/03/23/quando-lobo-antunes-escreveu-a-celine/

Sobre Molly:

" - Não voltes à Ford! - acabava por me desencorajar Molly. - Procura antes um emprego num escritório... Como tradutor, por exemplo, é o teu género...Os livros agradam-te...Aconselhava-me deste modo, muito carinhosamente, queria que eu fosse feliz. Era a primeira vez que um ser humano se interessava por mim, pelo meu egoísmo, de dentro se ouso dizê-lo, se punha no meu lugar, não se limitando apenas a julgar-me do seu, como todos os outros. 
Ah! se eu tivesse encontrado mais cedo esta Molly, ainda a tempo de seguir outro caminho em vez deste! Antes de desbaratar o meu entusiasmo com a galdéria da Musyne e com o monte de estrume que era Lola! Demasiado tarde, agora, para refazer a minha juventude. Não me parecia já possível! Tornamo-nos rapidamente velhos, de forma irremediável. E apercebemo-nos disso quando nos apanhamos a amar a própria desgraça, mesmo sem o desejarmos. É a natureza a mostrar-nos mais forte do que nós, aí está. Treina-nos num determinado género e depois já não podemos sair dele. Eu, por exemplo, partira na direcção da intranquilidade. Vamos pouco a pouco tomando o nosso papel e o nosso destino a sério, sem que dêmos conta disso, e depois quando caímos em nós é demasiado tarde para mudarmos. Encontramo-nos rodeados de inquietação, e claro que para sempre." p.216/217

"Passaram-se já bastantes anos depois desta partida. Anos e anos...Escrevo amiúde para Detroit, e depois ainda para todas as direcções de que me lembrava e onde fosse possível alguém conhecê-la, saber-lhe do paradeiro. Nunca recebi resposta. 
A casa encontra-se neste momento fechada, foi tudo quanto consegui apurar. Boa e admirável Molly, caso ela me possa ainda ler em qualquer lugar por mim ignorado, desejo que saiba nada haver mudado na minha afeição por ela, que a amo ainda e sempre a meu modo, que pode vir até mim quando quiser e partilhar do meu pão e do meu incerto destino. Se não for bela, paciência! Cá nos arranjaremos! Conservei tanta da sua beleza dentro de mim, tão indestrutível e tão reconfortante, que bem chega para nós os dois, pelo menos durante vinte anos, o tempo de acabarmos." p.223

Sobre o Tempo, a Vida e a Juventude:

"A água vinha marulhar junto dos percadores e ali me sentei a vê-los pescar. Eu não tinha pressa nenhuma, lá isso não, tal como eles. Chegara àquele momento, talvez àquela idade em que sabemos muito bem o que perdemos, a cada hora que passa, mas não adquirimos ainda em sabedoria, a força precisa paea estacar subitamente na estrada do tempo, e se por acaso nos tivéssemos detido não saberíamos o que mais fazer sem a paixão de avançar que admiramos e nos possui desde sempre, desde a juventude. Já não nos sentimos tão orgulhosos dela, da juventude, mas ainda não ousamos confessá-lo em público, confessar que a juventude não é talvez senão isso, entusiasmo em envelhecer.
Descobrimos em todo um passado ridículo tanto ridículo, tanta credulidade, tanta aldrabice, que desejaríamos por certo acabar de vez com a mocidade, esperar que ela se desprenda, nos ultrapasse, vê-la ir-se, afastar-se, olhá-la em toda a sua futilidade, dar-lhe a mão no seu vazio, vê-la passar de novo à nossa frente e depois partirmos nós, ficarmos certos de que na verdade ela se foi, a juventude, e tranquilamente, pelo nosso próprio caminho, passarmos vagarosamente para o lado de lá do Tempo, e observarmos então a verdade das pessoas e das coisas." p.271

Sobre o Amor e outras ilusões:

" No estado em que se encontrava [Tania], nem pensar em deixá-la. Insistia em armar ao trágico e mais ainda, em mostrar-se em pleno transe. Que momentos aqueles! Os amores contrariados pela miséria e pelas grandes distâncias são como os amores de marinheiro, não há duas opiniões, irrefutáveis e de êxito assegurado. De resto, sem ocasiões para encontros frequentes não é possível haver insultos, o que já é alguma coisa ganha. E como a vida não passa de um delírio a rebentar de mentiras, quanto mais longe estivermos e quanto mais o rechearmos de mentiras, mais contente nos achamos, é natural e vulgar. A verdade não é comestível.
Neste momento, por exemplo, é fácil que nos contem coisas a respeito de Jesus Cristo. Mas iria ele à retrete perante toda a gente, Jesus Cristo? Tenho cá na ideia que a coisa não teria resistido muito tempo se ele tivesse feito caca em público. Tudo se resume a um mínimo de presença, sobretudo quando se trata de amor." p.344/345

Este livro cumpre a meta que tracei para este ano de 2014 de ler um clássico de Literatura Estrangeira!
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Resoluções para 2014


Este ano vou tentar organizar um novo critério para as minhas leituras mensais. Para cada semana, vou seleccionar um livro de:

. 1 autor português;
. 1 autor estrangeiro;
. 1 livro da minha estante;
. 1 livro não ficção;

Claro que alguns destes critérios poderão coincidir e desse modo o livro não ficção pode pertencer à minha estante, por exemplo. Isto permite colmatar a dificuldade de gestão de tempo que nalgumas semanas prevalece apesar da minha boa vontade.

Espero aproveitar melhor o meu tempo para diversificar leituras e finalmente ler aqueles clássicos e autores que me suscitam tanta curiosidade. Eu vou adiando certas leituras com a justificação de encontrar a melhor altura para ler! Definitivamente, esse é um critério que eu já não vou seguir: a altura ideal não existe, vou antes procurar criá-la!

Leituras de 2013

imagem: www.likesbooks.com

Já a entrar no mês de Fevereiro, finalmente consigo disciplinar-me para colocar por escrito as minhas impressões das leituras realizadas em 2013! Em geral, considero que foi um bom ano de leitura, mas poderia ter feito melhor! Cumpri o meu Goodreads challenge, ao ler 51 livros, mas quantidade não é qualidade e considero que ainda tenho leituras importantes a fazer. De facto, este ano gostava de colocar outros critérios para a selecção de livros a ler. O último trimestre do ano foi muito escasso em leituras por me encontrar numa fase muito especial da minha vida...


Por outro lado, tenho sempre dificuldade em atribuir estrelas de avaliação às leituras e, observando a lista de livros lidos, destaco 15 livros que conseguiram ter um maior impacto. Isto é muito subjectivo pois para mim uma boa leitura/bom livro está sujeito a vários critérios: a história, o pensamento do autor e respectivas reflexões nas entrelinhas, as personagens, ... Tudo isto me influencia para considerar determinado livro como uma boa leitura.Ora, quando essa leitura tem a capacidade de se tornar num momento de felicidade na minha vida, esse livro vai automaticamente para um lugar de excelência na minha estante!

E em 2013, os livros que conseguiram aproximar-se deste critério são:

1) O ano da morte de Ricardo Reis de José Saramago;
Ainda hoje penso que quem escreveu este livro foi o próprio Fernando Pessoa e não José Saramago (!). O contexto histórico de Lisboa nos anos 30 e a vida deste heterónimo estão muito bem retratados.

2) A bela do senhor de Albert Cohen;
Não é fácil entrar neste livro e muito menos sair dele! É uma história de amor, tragédia, comédia de costumes, com uma reflexão absolutamente genial sobre a nossa sociedade. 

3) A casa grande de Romarigães de Aquilino Ribeiro;
Um clássico da Literatura Portuguesa, que me surpreendeu pela frescura e bom humor. Foi também interessante rever algumas localidades do Caminho Português de Santiago.

4) Esteiros de Soeiro Pereira Gomes;
É daqueles livros que só apetece gritar ao mundo "LEIAM ESTE LIVRO!", mas não, não gritei. Muito bom e uma excelente sugestão do G.

5) Servidão Humana de Somerset Maugham;
Na continuação das minhas leituras de Somerset Maugham, gostei muito de conhecer o Philip. A edição do livro que li era muito fraca pelo que tenho a esperança de um dia comprar a edição da Relógio d'Água para poder ler novamente mas como se fosse a primeira vez!

6) A fera na selva de Henry James;
Este pequeno grande livro faz-nos reflectir como por vezes o amor pode ser algo... Enfiml, é uma perpectiva absolutamente genial. 

7) O primo Basílio de Eça de Queirós;
Que livro tão actual! Só me apetecia falar deste livro!

No âmbito das minhas leituras juvenis para o P. L., saliento a descoberta de:
8) "O polegar de Deus" de Louis Sachar
9) "Os olhos de Ana Marta" de Alice Vieira
10) "O Sr. Valery" de Gonçalo M. Tavares
e...

11) "Harry Potter e a pedra filosofal" de J. K. Rowling

12) A arte da simplicidade de Dominique Loreau
Finalmente  li o "livro de cabeceira" que mudou a vida de alguém bem próxima de mim!

13) Aprender a viver de José António Marina;
Excelente filósofo e pedagogo, acho que vou recorrer a esta leitura mais vezes.

14) Os livros que devoraram o meu pai de Afonso Cruz;
Este livro terminou um hiato de quase 3 meses sem leitura... Gostei muito.

Menção honrosa:
Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe
Tenho que mencionar este livro, mas reconheço que a altura não foi a ideal pois já estava a atingir o limite de resistência... O raciocínio intrincado das histórias impressionou-me mas não estava em condições de acompanhar!

O ano de 2013 foi também ano da descoberta dos canais literários do Youtube. Comecei por ser seguidora do canal "A mulher que ama livros" e da "Inesbooks", para além de assistir regularmente aos canais brasileiros "Tiny Little Things", "Ao rés do chão", "lidolendo", "letras de batom", e em inglês "Books and Quills da holandesa Sanne e "The Readables" da canadiana Priscilla .  

[Inicialmente, tinha alguma relutância em ver os vlogs brasileiros por considerar que mostravam edições de livros que dificilmente teria acesso, mas tenho constatado o contrário! Entretanto, a lista de canais portugueses cresceu e o entusiamo que transmitem pela leitura tornam estes vídeos em algo viciante para quem adora livros!]

Já comprei alguns livros por sugestão dos canais que referi, sobretudo "A mulher que ama livros" que vai lendo muitos clássicos e não apenas os típicos livros YA que" toda a gente" anda a ler. Também gosto da selecção de ficção contemporânea da "Inesbooks", a quem já tive a sorte de conhecer! Aonde? Numa livraria, naturalmente! Apesar da minha timidez, não resisti a apresentar-me como seguidora do vlog!

E, deste modo, concluo esta - não tão breve- reflexão sobre as minhas leituras em 2013!