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sábado, 7 de julho de 2012

Leituras paralelas e balanço do primeiro semestre



Eis algumas das leituras paralelas, feitas entre a leituras dos clásicos e de autores locais. Ainda não fiz uma retrospectiva destas leituras pois fui avançando na leitura das tais obras importantes... No primeiro trimestre de leituras, tomei a decisão de orientar as minhas escolhas para dar preferência a clássicos da literatura estrangeira e portuguesa, entre os quais autores de quem eu oiço falar há muito tempo mas a quem nunca dediquei tempo. Igualmente importante nestas escolhas, está a vontade de conhecer a obra dos autores locais. 
Num primeiro balanço do semestre, concluo que devo continuar nesta resolução ainda não tão notória como gostaria! A literatura portuguesa continua a estar presente apenas com os autores locais. Livros de outros escritores nacionais continuam ausentes...

Caso para dizer:"Tantos livros, tão pouco tempo"

* Algo digno de nota: segundo o Goodreads (e as fantásticas estatísticas), já atingi o número total de livros lidos o ano passado, que foram um total de 17. Continuo no caminho até 24, e quem sabe mais além com esta resolução de 2012!!



Book Review - O alto espaldar da cadeira de verga

Imagem retirada de:



Luís Vieira da Mota, O alto espaldar da cadeira de verga. Leiria, Diferença, 2001, 160 p.

Livro requisitado na Biblioteca João Soares

Tem sido uma surpresa a leitura dos livros do escritor (e amigo dos Serões Literários) Luís Vieira da Mota. Várias vicissitudes atrasaram-me na leitura das obras deste escritor. Quando comecei a ler Renascer em Córdova, começou uma etapa inesperada da minha vida que me afastou durante algum tempo da leitura, ironicamente... Nem gosto de recordar esse tempo. E por isso sempre que me lembro, tento esquecer. Mais tarde tive uma oportunidade, que não aproveitei, e desde O último silvo do vapor que me delicio nesta leitura. Este livro não foi excepção. Sem o encanto da personagem do livro O último silvo..., à personagem principal não lhe falta alguma tragédia na vida, felizmente não tão fatal nas consequências! É a história de um casal, com as suas rotinas bem presentes e sonhos adiados. Reflectem-se as transformações do pós 25 de Abril no país. Essa mudança não se reflectiu na vida das personagens da maneira como desejavam. Ilusões que se vão perdendo. Felizes deles, que ainda as tinham. Curiosamente, a senhora ambicionava uma vida dedicada às Artes, mas ao contrário de Strickland, preferiu manter o sonho condicionado por certas marcas negativas da infância e da vida neste país tão pequeno. O sucesso material do marido, tão difícil de alcançar e de manter, proporcionou apenas um conforto vazio. E é na cadeira de verga com um alto espaldar que a senhora recorda momentos da sua vida, em especial um "revolucionário" que renegou o capitalismo consumista e que conhecera numas férias. Este encontro com o poeta vai renascer nela a tristeza de não ter tido a coragem de lutar por um ideal de vida.
Este livro é quase um ensaio sobre o sentido do caminho pessoal e do país. Gostei de ver as personagens a discutir problemas que nos marcam ainda hoje.

Book Review - Middlesex


Imagem retirada de:

Jeffrey Eugenides, Middlesex, Lisboa, Dom Quixote, 2004, 521 p.

Livro requisitado na Biblioteca João Soares



Comecei a ler este livro com curiosidade e depressa vi que é um livro que exige a nossa total dedicação na leitura, sem outras distrações. A história é narrdada por Calliope e inicia-se com a aventura dos seus avós, emigrantes gregos a viver nos EUA, e protagonistas de uma história de amor muito peculiar, passando depois para a história dos pais até terminar com a narrativa da sua própria transformação sexual. Esta leitura mostra que o autor é excepcional mas infelizmente a história não me impressionou tanto como estava à espera. Já quando li em 2006 As virgens suicidas fiquei com a mesma impressão. Em parte por achar que o detalhe aqui é levado ao exagero, com descrições longas que atrasam o desenvolvimento da história e que, a meu ver, não acrescentam nada, só um pouco de tédio. A história arrasta-se tão lentamente que dá azo a lapsos como troca de nomes de personagens, que confundiram-me na leitura, mas como é uma leitura pouco dada a distrações, foram falhas facilmente detectáveis!...
 Gostei das personagens, embora sejamos conduzidos por uma Callie que observa tudo omnisciente e depois entra também no desenvolvimento da sua história.

P. 377
/ 380 /
419 420

Book Review - Um gosto e seis vinténs


Imagem retirada de:


Somerset Maugham, Um gosto e seis vinténs, Livros do Brasil, 246 p.

Livro requisitado na Biblioteca João Soares


Após a leitura de O fio da navalha, foi com um sentimento de deslumbre que li este livro. Pela referência que o autor fez desta história no início de O Fio da Navalha, fiquei curiosa e foi inesquecível o prazer com que fui conhecendo a história de Strickland, o pintor que Maugham cria baseado na vida de Paul Gauguin. É excepcional o desenvolvimento desta história, desde a descrição da vida familiar de S., inserido numa vida normalíssima, nada digna de nota para os conhecidos e a corajosa mudança que realizou dedicando a sua vida unicamente às artes. Essa transformação cai com um estrondo semelhante à queda de um S.Paulo e respectiva conversão. Ah, coincidência! S.Paulo e "Paul" Gauguin. A veemência do pensamento e atitude são bem similares, numa versão heterodoxa. Os danos que causa a terceiros em nome do ideal artístico, sem disso ter consciência, são "absolvidos" pelo génio artístico, tão pouco reconhecido na época. É uma vida extraordinária. Enquanto uns questionam o sentido da vida (Larry, O fio da navalha) outros arriscam com uma fé inabalável numa vida dedicada ao puro acto da criação artística porque, para o bem e para o mal, nasceram para isso. Nota especial para o pobre Stroeve, um pintor sensível e sem arte.

p. 172

Book Review - O fio da navalha

Esta imagem foi retirada de:


Somerset Maugham, O fio da navalha, Lisboa, Círculo de Leitores, 1974, 328 p.

Livro requisitado na Biblioteca João Soares



Este foi o livro que levei para a lua de mel! Coloquei o livro logo de parte, não porque fosse desinteressante, mas porque na Casa das Penhas Douradas existem ao dispor de todos os hóspedes livros dos mais variados temas, tais como arquitectura, livros de viagens, romances e policiais. Tomei então a decisão de ler Agatha Christie. Esta ideia de associar a leitura de A.C. a pausas de verão tem-me impedido de a ler por estar à espera da "melhor" altura para ler, apesar de ter dois livros na minha estante à espera. Comecei a leitura perto da lareira enquanto nevava lá fora (em Abril!). Ironicamente, o livro começa com uma citação do poema "The Lady of Shallot" de Lord Tennyson, que desde 1998 mudou a minha vida com a descoberta da sua versão musicada pela Loreena McKennitt. Sobre este livro de Christie The mirror cracked side to side falarei mais tarde.

Quanto ao livro de Somerset, peguei nele depois e continuei a ler a história de Larry, Isabel e do tio Elliot. Confesso que gostei muito, mas não é até agora o meu preferido. O meu livro preferido é "The moon and six pence / Um gosto e seis vinténs", que o autor menciona logo no início da história (e que por isso me levou a lê-lo de seguida!).

A escrita de Maugham prende-nos, vivi a história e compreendi a inquietação de Larry, que é a personagem mais interessante a meu ver. Sim, claro que o tio Eliott é a essência da história e que Isabel é uma personagem inteligente (?), mas não tenho paciência para uma certa superficialidade de ambos e que o autor narrador também partilha. Compreendo que seja necessária para ultrapassar certas dúvidas e dificuldades que se vão acentuando ao longo do caminho. E é nesse meio termo, fio da navalha, que a vida acontece.

Book review - Casamento em Florença

Imagem retirada de:
Somerset Maugham, Casamento em Florença, Livros do Brasil
Livro requisitado na BIblioteca João Soares


Num breve intervalo à leitura do tio Goriot, li "Casamente em Florença" (porque será?) para ter um pouco noção da escrita de Somerset Maugham. Não me desiludi, pelo contrário, tive a confirmação de que se trata de um escritor muito acutilante na descrição psicológica das personagens. Esta história centra-se numa personagem feminina que teve um casamento infeliz e consequente desilusão amorosa. Permancendo na esperança de acreditar no amor e  no valor que este tem,apesar de fugaz e perene ao mesmo tempo, decide fazer algo impensável: oferecer amor sem esperança no futuro, mas vivendo o momento. Esta atitude vai por sua vez colidir com outros sonhos de terceiros, que ainda acreditam no amor para sempre. A história é descrita com uma ironia desconcertante e ao mesmo tempo terna e bem reveladora do quanto o amor é contraditório nas suas manifestações e intenções.Um romance aparentemente leve, mas tão irónico. 

Book review - O tio Goriot





Esta imagem foi retirada de:
Biblioteca Municipal Tomás Ribeiro

Honoré de Balzac, o Tio Goriot, Lisboa, Portugália, 1969, 396 p.
Livro requisitado na Biblioteca João Soares

Li este livro nos meses que antecederam o casamento e, por isso, só de olhar para ele faz-me lembrar com saudade a leitura. Se, como dizia Thoreau, grandes livros marcam o início de novas etapas da nossa vida, para mim grandes momentos têm de ser acompanhados por livros muito bons! É o caso deste livro e desta altura da minha vida! 
Aconselhado por uma amiga, esta leitura superou qualquer expectativa. A história começa com a descrição da pensão da Sra. Vauquer na Rue Neuve-Sainte-Geneviève onde estão alojadas as personages principais: o pai Goriot e Eugénio de Rastignac. Para além destas personagens, temos a senhora Couture, Vitorina, o Senhor Poiret e o perspicaz senhor Vautrin. A menina Michonneau, sem esquecer Sílvia e Cristóvão, empregados da pensão. 
A história desenrola-se a partir da experiência de Eugénio, estudante de Medicina em Paris, a dar os primeiros passos na alta sociedade parisiense. Embora provenha de uma família com antecessores aristocratas, Eugénio almeja alcançar sucesso social no meio parisiense. O deslumbramento inicial de Eugénio face ao luxo, leva-o a tentar adoptar esse estilo de vida, através de um procedimento "comum": ligar-se a uma amante rica e de preferência casada...
O solitário tio Goriot entra na história com uma surpreendente reviravolta: Eugénio descobre que é o pai da sua tão desejada duquesa de Nucingen. De facto, Goriot é um antigo industrial que fez fortuna no negócio de massas alimentares e pai de duas filhas bem-casadas com ilustres senhores da alta sociedade. Estas duas filhas vão renegar o pai quando este deixa de as poder sustentar num estilo de vida luxuoso e superficial. O velho pai é explorado até à miséria pelas filhas sem se aperceber. Também Eugénio tenta uma aproximação junto de Goriot para conhecer melhor a filha duquesa.
Este livro é de uma beleza rara na descrição da natureza humana. O crescimento de Eugénio, ao adquirir uma melhor compreensão da sociedade parisiense, fez-me crescer também. O final da história é bem revelador de uma nova sensibilidade face ao sofrimento envolvente com  o último suspiro de Goriot a ganhar um sentido tão próximo ao real. 
Este é daqueles livros que à medida que se vai lendo, torna-se necessário tomar nota das páginas que descrevem tão bem a natureza humana. Este livro pertence à Estante dos Inesquecíveis e dos Que um dia vou reler.O tio Goriot fez-me pensar nos filhos e na sua educação. Tão bem quis Goriot fazer às filhas, que apenas criou egoísmo. O espírito de sacrifício da família também é bem revelador na história de Eugénio. Um grande livro sobre a natureza humana, capaz de infligir tantas injustiças ao próximo e, ao mesmo tempo, manifestar generosidade sem par.

* De Balzac, já tinha lido "A mulher de trinta anos", precisamente na véspera de fazer os 30 anos em 2010.